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DESIGUALDADE RACIAL NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE ESTATÍSTICA 

  • Foto do escritor: Prates Rufato
    Prates Rufato
  • 29 de mai.
  • 6 min de leitura

✍️ Por Ivaneide Daumichen, Advogada Criminalista


O sistema de justiça criminal no Brasil revela disparidades significativas quando analisado sob a ótica racial. Estudos e dados recentes apontam para uma realidade em que pessoas negras enfrentam desvantagens em diversas etapas do processo penal, desde a abordagem policial até a condenação e encarceramento.




1. Abordagens Policiais e Prisões em Flagrante

Dados indicam que pessoas negras são desproporcionalmente abordadas pela polícia. No Rio de Janeiro, por exemplo, 63% das abordagens policiais foram direcionadas a negros, enquanto apenas 31% a brancos. Além disso, 80% dos presos em flagrante no estado eram negros, evidenciando uma seletividade racial nas ações policiais (Superior Tribunal de Justiça).


O negro como alvo: a questão do racismo estrutural nas investigações criminais


Cor preta, suspeito padrão. Esse é o estereótipo presente na maior parte das abordagens e na identificação de pessoas consideradas suspeitas pelos agentes de segurança do Estado.Divulgada em fevereiro deste ano, uma pesquisa coordenada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) confirmou, com dados inéditos, o que grande parte da população brasileira vive na pele: o racismo estrutural está presente na atividade policial e no sistema de Justiça criminal brasileiro; afinal, os jovens negros são os maiores alvos dos agentes de segurança.Segundo o estudo, o percentual de negros entre as pessoas que já foram abordadas pela polícia chega a 63%, contra 31% de brancos, na cidade do Rio de Janeiro – cuja população total se divide em 51% de brancos, 48% de negros e 1% de outras raças. Dos que já sofreram abordagem policial mais de dez vezes, 66% são pretos ou pardos.


Outro número a ser considerado é o da proporção de negros no sistema prisional brasileiro: o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2017, no quesito Perfil da População Prisional, mostrou que aproximadamente 64% dos presos são pretos ou pardos.


Na mesma linha, um levantamento feito pelo Colégio Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege) mostra que, entre as pessoas acusadas indevidamente com base em reconhecimento fotográfico realizado em delegacias – as quais acabaram sendo absolvidas na sentença –, 83% eram negras.


As três pesquisas traduzem, em números, fatos que alimentam as engrenagens do racismo estrutural no Brasil: a colocação prioritária de pessoas negras na posição de suspeitas, o encarceramento em massa da população de pele preta ou parda e a violência das abordagens policiais contra essa parcela da sociedade – temas que pedem uma reflexão especial neste 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra.


Racismo estrutural no sistema jurídico


Em novembro de 2020, um homem negro foi espancado até a morte por dois homens brancos dentro de um supermercado em Porto Alegre. A brutalidade do crime, filmado por testemunhas, chocou o Brasil.


Após esse episódio, a Câmara dos Deputados instituiu uma comissão de juristas – presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Benedito Gonçalves – que apresentou, no fim de 2021, um relatório de mais de 500 páginas com propostas para dotar o sistema jurídico brasileiro de instrumentos capazes de enfrentar os problemas históricos ligados ao racismo estrutural.


Ao final dos trabalhos, Benedito Gonçalves afirmou que, apesar dos avanços legais, o enfrentamento à discriminação e ao racismo estrutural ainda não é, mas precisa se tornar, prioridade das instituições públicas e privadas, e de toda a sociedade brasileira.


"A luta contra o racismo e a discriminação racial deve ser diária, constante e permanente. No relatório final da comissão, fizemos um convite ao parlamento e ao povo brasileiro para lutarmos juntos, a fim de que tenhamos uma sociedade livre, justa e solidária", declarou.


Igualdade racial como política de Estado


Ao sugerir alterações que vão além da repressão legal ao racismo – com proposições envolvendo o sistema de Justiça criminal; o direito econômico, tributário e financeiro; os direitos sociais e medidas de combate ao racismo institucional nos setores público e privado –, o documento elaborado pela comissão de juristas teve como denominador comum o propósito de tornar a promoção da igualdade racial uma política perene de Estado.


Para o ministro Benedito Gonçalves, o racismo precisa ser tratado em duas dimensões. O racismo institucional, segundo ele, reflete-se, por exemplo, na desconfiança sem justificativa dos agentes de segurança sobre a população negra. A outra vertente é o racismo estrutural, ainda menos explícito.


"A presença do racismo estrutural pode ser constatada pelas poucas pessoas negras que ocupam lugar de destaque nas instituições", afirmou.


Um exemplo disso são as cotas raciais como mecanismo de ingresso nas carreiras do Judiciário, que começaram a ser implantadas em 2015. Os resultados já são visíveis, tanto entre os servidores quanto nos rostos dos novos juízes e juízas.


Injúria racial é equiparada ao racismo


Benedito Gonçalves celebrou o fato de que os trabalhos da comissão continuam a dar frutos. Ele destacou a recente aprovação, pelo Senado, de um projeto de lei que equipara o crime de injúria racial ao de racismo, tornando-o imprescritível e inafiançável.


Com isso, observou o ministro, os senadores seguiram as recomendações do relatório da comissão e referendaram uma decisão de 2021 do Supremo Tribunal Federal (STF) no mesmo sentido.


"A injúria racial equiparada ao racismo fez com que trouxéssemos para o sistema de Justiça o que o STF decidiu em 2021: um avanço muito grande", ressaltou.


Ilegalidades na abordagem de suspeitos


A evolução jurisprudencial do STJ também tem integrado os esforços no combate ao racismo estrutural. Recentemente, as turmas de direito penal do tribunal começaram a dar visibilidade ao tema em diferentes julgados.


Em um deles, o RHC 158.580, o tribunal utilizou a expressão "racismo estrutural" ao analisar ilegalidades na abordagem policial de suspeitos – escolhidos muitas vezes em razão de sua raça e condição econômica pelas forças de segurança.


No julgamento ocorrido na Sexta Turma, o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, apontou que, como decorrência da "ainda latente mentalidade escravista, cujos efeitos perduram até os dias de hoje" no Brasil, "o controle sobre os corpos negros no espaço público se acentua por meio da repressão criminal, que se volta não apenas contra condutas concretas e danosas, mas também contra condições pessoais vistas, por si sós, como perigosas e indesejáveis".


Ações das forças de segurança concentradas na população negra


Em entrevista sobre o assunto, Schietti afirmou que vários estudos têm analisado o tema do racismo estrutural, que também chega ao tribunal suscitado em muitos recursos, frequentemente relacionados a práticas policiais que se concentram sobre pessoas negras na periferia dos grandes centros urbanos.


Segundo o ministro, é importante ressaltar que o racismo estrutural não é encontrado somente nas polícias, mas também nas corporações e no próprio Poder Judiciário.


"É só analisar a composição da magistratura e dos próprios tribunais superiores. O que temos é uma quase escassez de representantes de cor preta nesse grupamento social", observou.


O integrante da Sexta Turma avaliou que o STJ pode contribuir muito para o debate desse tema "sensível", que, em sua opinião, deve ser tratado na corte sem nenhuma "reticência em expor uma realidade que precisa ser modificada".


O magistrado destacou que estereótipos culturais relacionados a cor, classe social, sexo ou etnia podem influenciar negativamente a identificação, que também se sujeita à falibilidade da memória humana, afetada tanto pelo esquecimento quanto por emoções e sugestões, capazes de gerar "falsas memórias".


De acordo com Reynaldo Soares da Fonseca, debater o racismo estrutural nas decisões proferidas pela corte é fundamental para promover a igualdade em uma sociedade que se pretende justa, livre e solidária. 


"Isso diz respeito ao princípio da igualdade. Todos têm que ser tratados de maneira igual. Se nós temos uma massa carcerária composta por pessoas pobres, jovens, analfabetas e negras – mais de 60% –, significa que o sistema carcerário é seletivo e que nós precisamos, como sistema de Justiça, tratar isso de forma que a gente retire essa seletividade", afirmou.


2. Indiciamentos e Condenações


Entre 2020 e 2024, 4.144 pessoas negras foram indiciadas por associação ao tráfico de drogas, número três vezes maior que o de pessoas brancas (1.877) no mesmo período. Além disso, em casos de tráfico, réus negros frequentemente enfrentam processos sem testemunhas, o que ocorre em 45% dos casos, comparado a 34% para réus brancos (PlatôBR).


3. População Carcerária


A disparidade racial também é evidente no sistema prisional. Em 2023, cerca de 70% da população carcerária brasileira era composta por pessoas negras, totalizando aproximadamente 470 mil indivíduos. Esse número destaca o impacto do racismo estrutural no encarceramento em massa de negros no país (Agência Brasil).


4. Homicídios e Violência Letal


Estudos mostram que a taxa de homicídios entre a população negra aumentou significativamente entre 2000 e 2009, enquanto diminuiu entre brancos. Em 2009, 69% das vítimas de homicídio no Brasil eram negras, indicando um risco maior de morte por violência letal nesse grupo, independentemente do nível educacional .(Wikipédia, a enciclopédia livre)


5. Representatividade no Judiciário


A sub-representação de negros no Judiciário contribui para a perpetuação das desigualdades. Apenas 14,2% dos juízes no Brasil são negros, o que pode influenciar na sensibilidade e compreensão das questões raciais nos processos judiciais .(UOL Notícias)


Conclusão


As estatísticas evidenciam uma realidade preocupante: o sistema de justiça criminal brasileiro opera de maneira desigual, afetando desproporcionalmente a população negra. É imperativo que haja uma revisão das práticas institucionais, com políticas públicas voltadas para a equidade racial, formação antirracista para operadores do direito e maior representatividade negra em todas as esferas do sistema de justiça.


Este artigo visa contribuir para a reflexão e o debate sobre a necessidade urgente de reformas que promovam a justiça racial no Brasil.


IVANEIDE DAUMICHEN Advogada Criminalista | OAB/SP 427.483 Contato: e-mail: contato.daumichenadv@gmail.com | site: https://www.pratesrufatoadvocacia.com/ I Instagram: dra.ivaneidedaumichen I whats: (11)9 1237.4467

 
 
 

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